terça-feira, 30 de setembro de 2014


Por, António Sequeira Júnior

Fonte:
 
IBD



"Estas linhas servem para denunciar uma situação caricata que testemunhei numa reunião do P.A.I.G.C. em Portugal: Fui convidado por um amigo para assistir a reunião e quem me convidou conhecia o meu passado político e sabia do meu interesse em retomar a minha militância ativa, após um longo período de inatividade e pediu-me para levar mais gente comigo, alegando que essa reunião era muito importante.

No decurso da reunião percebi que o pedido do meu amigo previa as possibilidades de haver votações para eleger alguém. Mas não houve necessidade de tal, porque a decisão final acabou por ser tomada pessoalmente pelo presidente do partido em Portugal que também é membro do comité central e deputado do P.A.I.G.C., sem se importar com a opinião dos presentes, fazendo lembrar o P.A.I.G.C. dos tempos da ditadura de partido único, alegando ter recebido luz verde do presidente do partido e do presidente da república para actuar daquela forma, indignando todos os que já tiveram oportunidade de conviver com a intransigência destes dois estadistas. O meu amigo saiu beneficiado com esta situação que para mim não dignifica o partido.

A decisão consistia em colocar um simples militante a frente de uma direção democraticamente eleita, ignorando os estatutos e a posição dos restantes membros da direção, como se isso fosse possível num partido com a dimensão do P.A.I.G.C., onde hoje em dia, que eu saiba, todos os órgãos e todas as estruturas (da base ao topo) são sufragados.

Os oponentes reagiram, exigindo o cumprimento dos estatutos que nesta situação prevê a delegação automática de poderes para o 1º vice-presidente (art.º 70) e em caso de ausência ou na impossibilidade deste último exercer o cargo (o que não era o caso, porque ele estava presente e na minha percepção não existia nenhuma deliberação do conselho de jurisdição que lhe impedia de exercer o cargo), os poderes do presidente seriam delegados à um outro membro da direção e nunca à alguém alheio a direção, como previsto no art.º 69 dos Estatutos que o Presidente do Partido em Portugal como membro do comité central jurou respeitar e cumprir.

Durante as conversas que mantive nos bastidores, deu para perceber que entre o presidente e seu vice-presidente existem questões pessoais mal resolvidas no passado e que o presidente agora com poderes reforçados com a sua eleição como membro do comité central e deputado, utiliza as estruturas do partido como arma de arremesso contra o vice-presidente que no último congresso não apoiou o projeto liderado pelo actual presidente do partido. Para justificar a sua decisão o presidente do P.A.I.G.C. em Portugal realçou as ajudas financeiras atribuídas ao partido pelo referido militante que ele pretende projetar, fazendo lembrar um Ex-Alto Dirigente do partido que afirmava que “para dirigir o P.A.I.G.C. é preciso ter muito dinheiro”. O beneficiário desta situação atípica é médico e pela sua intervenção ressalta a vista que politicamente está muito aquém do vice-presidente que durante a sua explanação cativou a audiência, deixando entender que veio das fileiras da Juventude Africana Amílcar Cabral.


Do meu ponto de vista, a ajuda financeira atribuída por um militante ao seu partido não deve ser o fator primordial para a sua ascensão política, sobretudo a margem dos estatutos, como se o partido estivesse a ser leiloado. E neste caso em concreto parece que o referido militante, sendo médico num País como Portugal onde reina a crise e o desemprego está a fazer bom uso dos seus recursos financeiros para se projetar no mundo da política, comprando consciências e subornando os mais carenciados, sobretudo nos comités de base, muitos dos quais vieram formatados para o apoiar sem terem noção do que realmente estava em causa.

Parece que têm razão os que afirmam que os graves problemas sociopolíticos que fustigam a Guiné-Bissau têm a sua génese na forma como os problemas são resolvidos no seio do maior Partido político do País (o P.A.I.G.C.), que tirando proveito de ser o partido libertador e de ter governado sozinho o País durante vinte e cinco anos desde a independência, para se implantar em todo o território nacional sem conseguir imprimir qualidade às suas estruturas.


Senão como é que se explica que para ajudar um amigo, altos responsáveis do partido não hesitam em violar os estatutos, como neste caso em que o presidente do P.A.I.G.C. em Portugal, cria uma situação tão ambígua em que o vice-presidente continua a ser vice-presidente (nada lhe priva desse direito conquistado nas urnas) e o presidente delega os seus poderes a um militante que não faz parte da direção.


O facto de a Guiné-Bissau nunca ter sido um Estado de Direito e a justiça nunca funcionou para proteger os cidadãos, aliado a apatia ou até mesmo a conivência dos nossos dirigentes com os crimes e as constantes violações da lei na nossa sociedade, contribuíram para o patentear do espírito de medo e passividade da nossa população face aos males que afetam o nosso País. Chegou o momento de todos contribuírem para erradicar esses males e combater os malfeitores, denunciando-os na esperança de que as instituições saberão levar em conta os nossos esforços e cumprir os seus deveres, pois só desta forma a população ganhará coragem para se envolver nesta luta.


Quanto ao meu regresso para as fileiras do P.A.I.G.C., vai depender da forma como esta questão for resolvida pela direção superior do partido, que certamente não vai permitir um precedente tão perigoso como este num momento em que a luta pela justiça, transparência e democratização da nossa sociedade em geral e do P.A.I.G.C. em particular, constitui a principal prioridade o novo Poder instituído na Guiné-Bissau, porque nenhum militante que se preza concorda com uma ascensão desta, assim como não concorda com o facto da sua carreira política ser prejudicado de forma tão arbitraria, depois de ter percorrido um longo caminho para chegar onde chegou. Espero sinceramente que este mal seja cortado pela raiz.

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