Detenção dos agentes da PN na Guiné-Bissau: Entre a cautela e a tensão22 Julho 2013
O representante da ONU Ramos Horta e o Embaixador da União Europeia na Guiné-Bissau são duas figuras de peso envolvidas na tentativa de resolver por via diplomática o incidente com os dois agentes da PN, detidos por suspeita de espionagem no aeroporto de Bissau. O caso foi remetido à alçada do poder judicial guineense, e Marisa Morais, ministra da Administração Interna de Cabo Verde, acredita que venha a ser resolvido ainda no decurso desta semana. Isto numa altura em que a Liga Guineense dos Direitos Humanos resolveu entrar na dança para exigir a libertação imediata dos policiais cabo-verdianos. É que, conforme a LGDH, o Serviço de Informação e Segurança, de Bissau, não tem competência legal para deter ninguém –nem cidadão nacional nem estrangeiro – e muito menos requerer a instrução de procedimentos criminais.
A ministra Marisa Morais negou rebater as declarações públicas de Fernando Vaz, porta-voz do Governo de Transição da Guiné-Bissau, que, em entrevista à RCV, pôs em causa a versão dos factos sustentada pelo Executivo de Cabo Verde sobre os dois agentes do Serviço de Emigração e Fronteiras detidos no aeroporto internacional Osvaldo Vieira, por suspeita de espionagem.
“Não vou reagir a entrevistas de nenhum governante do Estado da Guiné-Bissau. Os agentes viajaram em missão de serviço, já foram ouvidos em tribunal, com o suporte de uma advogada contratada por Cabo Verde, e esperamos ter um desfecho breve deste caso”, deixou claro a ministra da Administração Interna, que acredita na possibilidade de os dois policiais da PN chegarem à cidade da Praia ainda no final desta semana.
Este optimismo é visto como um sinal de que a cidade da Praia confia na capacidade de influência de algumas figuras políticas de gabarito internacional envolvidas na resolução do impasse. É que desde a primeira hora, Cabo Verde accionou os seus canais diplomáticos e chegou mesmo a apelar à intervenção de Ramos Horta, representante das Nações Unidas em Bissau, e do Embaixador da União Europeia nesse país vizinho da CEDEAO.
Além disso, é expectável que o primeiro-ministro José Maria Neves aproveite a realização da Cimeira da CEDEAO, que decorre na Nigéria, para levar os outros Estados da Comunidade a pressionar o seu homólogo guineense Rui Barros a libertar os efectivos da PN, sem mais delongas. Até porque a situação desse país irmão de Cabo Verde, desde 2012 nas mãos de um governo de transição nomeado por um Presidente da República também de transição, Serifo Nhamadjo, faz parte da agenda dessa magna reunião.
Espionagem ou falsas declarações?
Ainda esta quarta-feira o Palácio da Várzea desconhecia a acusação formal que pendia sobre os profissionais da Polícia Nacional, presos quando se preparavam para regressar a Cabo Verde. A expectativa do Governo era que o Ministério Público guineense indicasse o delito cometido pelos cabo-verdianos para poder agir em conformidade. O certo, conforme fonte fidedigna deste jornal, é que as autoridades guineenses viram que não tinham como sustentar a tese de espionagem, inicialmente levantada, e mudaram de estratégia.
“Agora, os policiais são suspeitos de terem prestado falsas declarações. Entende-se que, quando foram abordados pela primeira vez, disseram que estavam de férias na Guiné-Bissau. Isto poderá pressupor que quiseram esconder a missão. Depois admitiram que eram agentes da PN e que foram acompanhar uma reclusa guineense, expulsa de Cabo Verde após cumprir uma pena de prisão por narcotráfico”, avança a nossa fonte, que admite a possibilidade de ter havido falhas processuais nessa operação policial, “provavelmente provocadas pela relação pouco amistosa existente entre Praia e Bissau, desde o golpe de Estado.”
Ainda citando uma fonte próxima do processo, o mais natural é que os serviços de fronteira de Cabo Verde e da Guiné-Bissau estivessem a par do processo de repatriamento. Mas parece que Praia preferiu saltar determinados procedimentos, mandando pura e simplesmente desembarcar a cidadã guineense no seu país. “Caso contrário, os policiais não teriam mentido sobre o objectivo da viagem a Bissau”, assinala.
Um dos motivos que, na perspectiva desta fonte, terá determinado estes supostos lapsos cometidos pelas autoridades cabo-verdianas é o comportamento recorrente de alguns países africanos, incluindo a Guiné-Bissau, quando são confrontados com o repatriamento dos seus cidadãos.
“Negam pura e simplesmente recebê-los e isso cria graves embaraços. Lembro-me de um barco com dezenas de repatriados que passou dias vagueando de um lado para o outro, porque nenhum país da sub-região queria aceitar esses cidadãos”, exemplifica a nossa fonte. Essa atitude tem levado alguns Estados a optar por vias pouco ortodoxas, nos casos de repatriamento.
“Colocam os visados num avião com destino ao seu país de origem, a pessoa é desembarcada e os agentes de segurança regressam no voo seguinte”, conta esse especialista em segurança, sublinhando que essa táctica tem sido usada por Governos europeus em relação a certos países africanos que costumam criar-lhes problemas.
A questão é saber se Cabo Verde optou por seguir essa via, com a Guiné-Bissau. Um aspecto que poderia ser esclarecido se a Polícia Nacional estivesse mais aberta para esclarecimentos à opinião pública cabo-verdiana sobre este caso que anda na boca do mundo. Retaliação
O porta-voz das autoridades guineense refuta liminarmente qualquer tese de retaliação, preferindo lembrar “as relações históricas e de irmandade que unem os dois povos”.
Mas o episódio com os agentes da PN, por mais que Bissau possa negar, é visto por vários cabo-verdianos como uma retaliação do actual e “transitório” poder guineense a Cabo Verde que acusam de cumplicidade com os serviços secretos americanos não só para a prisão de Bubo Na Tchuto, Chefe da Marinha Armada da Guiné-Bissau acusado de narcotráfico como também por disponibilizar o aeroporto do Sal e o Porto da Palmeira para a operação que levaria para a América o general – que é combatente da Liberdade da Pátria (da Guiné e de Cabo Verde).
O problema é que o militar Vasco Nacia, que testemunhou a detenção de Na Tchuto, afirmou à imprensa que a operação envolveu dois policiais cabo-verdianos e que, ao contrário do propalado, Na Tchuto não foi capturado em águas internacionais, mas sim em território marítimo guineense. Além disso, Nacia acrescenta que ele e os ocupantes da embarcação assaltada pelos operacionais norte-americanos foram conduzidos para a ilha do Sal, facto visto pelas autoridades de Bissau como uma traição por parte dos irmãos cabo-verdianos.
Os serviços secretos americanos consideram que a testemunha Vasco Nacia e seu companheiro eram inocentes e reenviou-os para a Guiné-Bissau. Quanto a Bubo Na Tchuto, ainda está detido nos Estados Unidos e corre o risco de ser condenado à prisão perpétua, se ficar provada a sua participação no envio de narcóticos para a terra de Barack Obama.
Mas numa reacção a esse incidente, Fernando Vaz, porta-voz do Governo de Transição da Guiné-Bissau, mostrou-se surpreso com “mais este insólito e provocatório comportamento do Governo cabo-verdiano”. Vaz acusou ainda a cidade da Praia de usar dois pesos e duas medidas no combate à criminalidade na sub-região africana. O porta-voz indo mais longe, afirmou que Cabo Verde já chegou a permitir a passagem de armas e medicamentos destinados aos combatentes independentistas da Casamansa (Senegal) e assegurou que Bissau tem provas para sustentar a acusação.
Cautela e confiança
É neste clima de crispação que acontece a detenção dos agentes da PN. Devido à sua delicadeza, o incidente está a ser tratado com a máxima cautela pelo Palácio da Várzea. Nas suas declarações públicas, José Maria Neves e Marisa Morais têm articulado os discursos e medido o peso de cada palavra. Ambos, no entanto, mostram-se confiantes na resolução imediata do imbróglio. Aliás, Morais calcula mesmo que os agentes da PN cheguem hoje, sexta-feira, a Cabo Verde.
Contudo, este prognóstico é visto com algumas reservas por um político abordado por este jornal. Na sua perspectiva, Bissau vai continuar a dificultar o mais possível a resolução desse dossier a favor de Cabo Verde, até porque o caso está na alçada da Justiça.
E por falar em Justiça, a Liga Guineense dos Direitos Humanos pediu a libertação imediata dos profissionais da PN. Em comunicado, a organização alega que o Serviço de Informação e Segurança da Guiné-Bissau não tem competência para deter cidadãos nacionais e estrangeiros, quanto mais para mandar instruir processos criminais. Por isso, na óptica da LGDH, a detenção dos policiais cabo-verdianos é ilegal. Resta saber se o poder judicial guineense tem a mesma interpretação dos factos e manda soltar os detidos.
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