AS FERIDAS AUTO-INFLIGIDAS DO PGR GUINEENSE FERNANDO GOMES
Primeiro, os factos:
Dezembro de 2020: A Procuradoria-Geral da República (PGR) da Guiné-Bissau emitiu um mandado de captura internacional contra o Presidente do PAIGC, Domingos Simões Pereira, quando este se encontrava em Portugal. Entretanto, a Interpol recusou a intervir, dizendo estar impedida de “realizar qualquer intervenção ou actividade de carácter político, militar, religioso ou racial”.
Março de 2021: Domingos Simões Pereira regressou à Guiné-Bissau sem que tivesse sido interpelado pela nenhuma autoridade judicial, apesar da clara oposição do poder estabelecido no país que, para além de agredir jornalistas na ocasião, também mandou lançar gás lacrimogéneo e bastões para dispersar os apoiantes do líder do PAIGC.
Junho de 2021: O Ministério Público da Guiné-Bissau (leia-se a Procuradoria-Geral da República) pediu o levantamento da imunidade de deputado do PAIGC, Domingos Simões Pereira. Entretanto, todos os cinco (5) membros da Comissão Especializada da Ética da Assembleia Nacional Popular (ANP) -- PAIGC, MADEM-G15 e do PRS -- rejeitaram o tal pedido.
Julho de 2021: O Ministério Público da Guiné-Bissau (leia-se a Procuradoria-Geral da República) – através de uma ordem superior e de uma forma arbitrária -- impediu Domingos Simões Pereira de sair do país. Entretanto, o Tribunal da Relação da Guiné-Bissau declarou nula e sem nenhum efeito a prévia decisão proferida pelo PGR de proibir o líder do PAIGC de viajar para um país estrangeiro e até qualificando-a de “incidente de incompetência”.
12 de Agosto de 2021: Domingos Simões Pereira viajou, de uma forma livre e irrestrita, para Lisboa, onde já se encontra e gozando de todos os seus direitos civis.
Agora, as considerações:
Sabemos que a presente Constituição da República da Guiné-Bissau atribui o poder da nomeação (e exoneração) do PGR ao Presidente da República, “ouvido o Governo”. Daí que não hajam mínimas dúvidas: o PGR depende das exclusivas vontades do Presidente da República.
Mas, à luz de todos estes factos narrados sobre as acções contra o cidadão Domingos Simões Pereira, para quê têm servido as actuações do Procurador-Geral da República? Dignificaram a sua função? Dignificaram a sua instituição? Dignificaram o Presidente da República? Dignificaram a Guiné-Bissau? Não precisamos de ser políticos ou de cidadãos atentos para sabermos que as respostas às perguntas colocadas são “não, não, não, e não”!
Ainda dentro dessas linhas de análise, então em que base age Fernando Gomes? Quais são as suas motivações? O que subjaz as suas intervenções?
Independentemente das respostas que estas últimas perguntas podem produzir, dentro dos parâmetros profissionais e éticos, um PGR, na sua qualidade da maior figura do Ministério Público, deve fazer tudo para, entre outros desempenhos:
1. Desempenhar as suas funções de uma forma independente e livre de qualquer politização;
2. Garantir uma administração justa e imparcial da justiça para todos, no quadro das normas estabelecidas, investigando, processando, levando casos criminais e civis à justiça e auxiliando as partes em litígios, de uma forma independente e livre de qualquer politização;
3. Promover as leis e aconselhar o Estado sobre o que é permissível dentro do nosso quadro legal, procurando sempre a justiça de uma forma imparcial e despolitizada;
4. Rejeitar a aplicação de decisões que possam favorecer amigos (políticos ou outros) ou prejudicar “inimigos” adversários políticos;
5. Honrar a sua obrigação de conduzir as suas actividades de uma forma justa, imparcial, apartidária, sem nunca favorecer ou prejudicar qualquer pessoa ou instituição – seja ela um Presidente da República, um adversário político ou um Partido.
6. Desencorajar qualquer acção impulsiva da parte de um PR (neste caso, Umaro Sissoco Embaló) ou de uma outra instituição estatal que tenha uma aparência de impropriedade.
Enquanto isso, Fernando Gomes deve compreender que as suas acções não só têm vindo a contribuir para o enfraquecimento da Procuradoria-Geral da República, mas agravam os riscos de desmoralizar a maior parte do pessoal do Ministério Público e minar a confiança dos cidadãos guineenses vis-à-vis o sistema judicial do país.
Afinal de contas, o sistema democrático da Guiné-Bissau depende fortemente da eficácia e imparcialidade do seu Procurador-Geral da República, juntamente com as actuações doutros elementos do sistema judicial na garantia das normas constitucionais e no cumprimento das leis.
E em base de tudo isto – e independentemente da origem da nossa Carta Magna -- a próxima revisão constitucional deve, sem instrumentalização, analisar profundamente a necessidade de se redefinir a forma como o PGR guineense é escolhido.
Na minha opinião, a sua escolha, para além de resultar das consultas entre o Presidente da República e o Governo – a sua presente forma – essa escolha deve passar também pela votação e confirmação na Assembleia Nacional Popular, tal como acontece nos Estados Unidos da América e noutros quadrantes do mundo. Um tal processo aumentaria a qualidade dos candidatos para esta função, assim como elevaria a responsabilidade pública do PGR face a todos os poderes políticos nacionais, minimizando, consequentemente, a sua dependência das vontades “exclusivas” de um Presidente da República ou de um Governo.
Umaro Djau
14 de Agosto de 2021