OPINIÃO:
Guiné-Bissau à procura da confiança
FERNANDO KA
26/08/2015
- 03:54
Fonte:
www.publico.pt
A solução da crise depende mais do PAIGC em
aceitar o diálogo com o presidente da república na procura de um consenso para
ultrapassar o impasse.
Depois da demissão do governo,
levantaram-se vozes discordantes. Como é óbvio, criou-se grande expectativa de
que os novos dirigentes iriam tirar o país do pântano em que está atolado.
Decorrido apenas um ano, tudo parece voltar
ao mesmo sítio de partida. Perante o
inesperado acontecimento, que nada justificava à primeira vista, requer uma
aprofundada análise para apurar as suas verdadeiras causas, antes de tomada de
qualquer posição pró ou contra. Ao longo dos quarenta anos de independência, os
governantes guineenses não têm pautado a sua conduta pela seriedade e pelos
princípios éticos na gestão dos bens públicos. E nem sempre os seus bem
elaborados discursos para o consumo externo espelha o seu verdadeiro carácter,
oculto na penumbra do seu quotidiano.
O presidente da república fez graves
acusações ao chefe do governo, dizendo que era intolerável a forma como estava
a conduzir o país e a continuar no mesmo sentido iria criar, mais uma vez,
sérios problemas e o descrédito internacional à Guiné. Também referiu que o
relacionamento pessoal entre os dois tornou impossível a coabitação necessária
e indispensável entre ambos os titulares dos principais órgãos de poder do país
para o normal funcionamento do estado. Assim sendo, demitiu o governo e
convidou o PAIGC a apresentar o substituto de Domingos Simões Pereira para
formar o novo gabinete.
O presidente, parecendo ser uma pessoa
responsável, não podia demitir o primeiro-ministro por mera discordância de
opiniões sobre certos assuntos de relevância para o país. Ou tinha a razão mais
que suficiente para o fazer, ou deu-lhe um ataque de loucura para tomar aquela
decisão, o que não é credível.
Agora, a solução da crise depende mais do
PAIGC em aceitar o diálogo com o presidente da república na procura de um consenso
para ultrapassar o impasse, visando os supremos interesses do país, acima de
quaisquer outros, independentemente das razões que assistam a cada um dos
interlocutores.
Sendo o partido vencedor das eleições, pode
indicar outra figura no seu seio para encabeçar o novo governo, podendo
discordar da decisão presidencial — está no seu direito; contudo, é
insustentável o seu repetido argumento, baseado apenas no que era ideal, porém,
está-se agora perante o facto consumado e o país não pode continuar amarrado ao
que devia ser.
Convenhamos que os interesses do país estão
acima dos outros quaisquer e têm de ser salvaguardados e de merecer a confiança
daqueles que se esforçam para o ajudar a sair da calamitosa situação em que se
encontra.
Portugal, por obrigação histórica, devia
ter uma política focalizada nos corredores do exercício de poder na sua
ex-colónia, procurando saber o que se passa na realidade, em vez de concentrar
mais atenção no apadrinhamento de algumas figuras pouco recomendáveis para
governar um país como a Guiné em determinadas circunstâncias. A Guiné é um caso
sui generis. Nem sempre está em causa a formação académica dos apadrinhados e
as suas respectivas competências profissionais, embora sejam ambos os
predicados necessários, mas, insuficientes para o desempenho de certos cargos
de governação.
A esmagadora maioria dos governantes
guinéus carece de estrutura moral forte para resistir às tentações de lidar com
o dinheiro público. Aqui é que a bota não bate com a perdigota, escancarando a
porta para a corrupção, os peculatos e os outros desmandos prejudiciais ao
país. Por isso, tem de haver alguém com coragem para accionar a sirene,
alertando para o perigo que se avizinha.
O PAIGC não pode nem tão-pouco deve
sobrepor a recondução do seu líder aos supremos interesses do país, mantendo-o
refém dos interesses meramente partidários enquanto a situação se vai
degradando dia após dia. Devia prevalecer o bom senso no partido a que o povo
confiou o poder para bem governar, mas, não para se governar. Não abaterá
desgraça alguma sobre o país, se for afastado Domingos Simões Pereira da cena
da polémica, antes pelo contrário. O que é mais grave e preocupante é o PAIGC,
tendo o poder nas mãos, revelar-se incapaz de lidar com as situações difíceis,
quando com elas é confrontado.
Por outro lado, o presidente devia também
esperar que o partido indicasse outra pessoa de consenso para chefiar o
executivo, evitando a confrontação desnecessária. Ou será que todos perderam o
juízo, arrastando o país para o abismo?
Dirigente da Associação Guineense de
Solidariedade Social
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