A “COISA
MALIGNA”
O filme: “Os deuses
devem estar loucos” , escrito e dirigido por Jamie Uys, nos princípios dos
anos oitenta, é uma analogia. Provocou grandes debates na época sobre a
discriminação branca. Nos convida - para os que nunca tiveram a sorte de o ver –
a uma reflexão sobre os estragos que a corrupção é capaz de provocar numa
comunidade política.
A história começa assim: “Num certo dia, de um avião de
passagem, o piloto atira uma garrafa de vidro de coca-cola e o artefacto estranho
cai no meio dos bosqímanos no deserto de Kalahari, na África
Austral.
Os deuses punham tantas coisas úteis na terra à disposição dos
povos bosqímanos, que viviam em pequenos grupos de famílias. Deve ser o povo
mais feliz do mundo. Eles não tinham leis, nem juízes, nem violência, nem
chefes, nem polícias. Uma família de bosquímanos ficava muito tempo sem se
encontrar uma com a outra. Estavam isolados sem saber de outros povos do mundo.
Nunca viram homem ocidental, dito “civilizado”. O que os diferencia dos outros
povos era o egoísmo e a ideia de posse.
O artefacto era
encontrado no bosque por um nativo de nome Xi. O bosquímano nunca tinha visto
nada igual antes. Parecia água, mas era muito mais dura que qualquer oura
coisa. Perguntou Xi: “porque os deuses teriam mandado essa coisa para a terra?”.
Mostrou-a na sua comunidade. Era a coisa mais bonita que tinham visto e queriam
saber por que os deuses a mandaram. Xabo - um irmão do Xi (?) - ficou com o
dedo preso nela que as crianças acharam muita graça. Primeiro, Xi utilizou-a
para trabalhar o couro. Tinha o tamanho certo e o peso exacto. Era também liza
para trabalhar pele de cobra. Xabo descobriu que servia para fazer música. E
cada dia eles descobriam um novo uso para ela.
Mas os deuses revelaram-se algo burlesco. Só tinham mandado
um objecto. Pela primeira vez em suas vidas algo não podia ser partilhado. Pois,
só havia um. De repente todos precisavam dele o tempo todo. Emoções e nada
comum começaram a surgir no seio da comunidade. Um sentimento egoísta de não
querer partilhar. E outras coisas surgiram: ciúmes, ódio e violência. A
desavença aumentava a cada dia que passava. Xi estava zangado com a situação.
Agarrou no objecto e gritou:
- Levo isto de volta! Veja os problemas que causou.
Mas os deuses não o levaram de volta. De tanta tentativa de
lançar o objecto para o céu, ele caiu encima de um dos seus filhos. Xi decidiu
levar o objecto para longe e o enterrou. Naquela noite, não houve risos nem
conversas à volta da fogueira. Um estranho sentimento de culpa reinava na
família. E eles estavam calados. Xi falou:
- Enterrei a coisa, nunca mais nos deixará tristes.
Naquela noite, uma hiena apareceu e desenterrou o objecto.
Mas um javali expulsou a hiena do seu território e este abandonou o objecto. No
dia seguinte, Xani, seu filho, o encontrou. Seu irmão Xomá viu-o brincando e
disse que também queria. Brigaram e Xani bateu Xomá com o objecto na cabeça.
Naquela noite, a família voltou a estar muito angustiada. Sentados à volta da
fogueira, começaram a falar da tal coisa. Não tinham nome para ela e a chamaram
de “coisa maligna”. Xabo disse:
- Foi um lapso os
deuses nos mandarem essa coisa maligna. Sempre nos mandaram coisas boas como a
chuva, as árvores, raízes e frutos, porque somos os seus filhos e eles nos
amam, mas agora nos mandaram essa coisa maligna.
Xi retorquiu:
– Essa coisa não
pertence a terra. Amanhã a levarei ao fim da terra e a deitarei fora.
Xabo disse:
- Acho que o fim da terra é muito longe. Terás que andar
vinte ou quarenta dias.
Xi disse:
- Vou começar amanhã.
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