terça-feira, 8 de setembro de 2020

Umaro Djau, the Big man

 A QUESTÃO DE ÁRABE E DA LAICIDADE DO ESTADO GUINEENSE

"Somos um país laico (…) Na nossa sociedade, no nosso sistema, o árabe não faz parte do nosso Ensino”. As palavras são do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló. Elas foram proferidas em resposta à proposta do ministro da Educação (e/ou Governo) para introduzir o ensino do árabe no sistema escolar do país.

Para mim, o mais chocante nessas declarações não é propriamente o assunto da introdução ou não da língua árabe, mas a inabilidade de Sissoco Embaló saber diferenciar a língua da religião. Sr. Presidente, a língua árabe não é o sinónimo do islão ou da religião muçulmana. Da mesma forma que o português, o francês e o inglês -- que o Sr. Presidente diz serem línguas escolares no país – não significam o Cristianismo, de igual modo, o árabe não significa o Islamismo.

Outra afirmação de Umaro Sissoco Embaló foi a seguinte: “quem quiser aprender o árabe deve ir para a Arábia Saudita”. As palavras de Sissoco Embaló constituem um grande desrespeito aos milhares de eleitores (muçulmanos) que depositaram os seus votos no Presidente da República, por revelarem uma tremenda falta de sinceridade e atenção às sensibilidades. Sua Excelência, a Arábia Saudita não é o único país do mundo onde se pode aprender a língua árabe. Ou será que introduziu essa afirmação equívoca para estabelecer uma relação simbiótica entre a Arábia Saudita – um país que simboliza o Islamismo -- e a religião muçulmana?

Pondo isto de lado, sou da opinião que todas as línguas são importantes. E se eu pudesse aprender mais línguas, teria aprendido o árabe, o mandarim, o russo, o alemão, etc. Todas as línguas, incluindo as nossas línguas maternas, são importantes.

Portanto, por opção, a língua árabe pode ainda ser ensinada nas escolas privadas e de “madrassas” do país, através de iniciativas privadas, não-governamentais, religiosas e através doutros intercâmbios, mas com o devido apoio institucional. O Estado, como um facilitador, orientador e regulador, tem uma obrigação de viabilizar o acesso ao conhecimento, venha ele da língua árabe ou doutra maternal ou científica.

Agora – e, sem complexos -- aqui fica a minha posição oficial. Neste momento preciso da nossa história e existência, o maior investimento que o Estado da Guiné-Bissau podia fazer para o futuro dos seus filhos é o ensino das línguas portuguesas e francesas, por duas razões. A primeira tem a ver com o facto de o português ser a nossa língua oficial, a nossa língua de trabalho. A segunda razão (o ensino de francês) justifica-se grandemente, por motivos geográficos, assim como a regionalização e as inserções económicas, políticas e sociais.

O francês é a língua mais falada na África Ocidental (Benim, Burkina Faso, Camarões, Chade, Côte d'Ivoire, Guiné-Conacri, Mali, Mauritânia, Níger, Senegal e Togo). O inglês é falado em cinco países (Gâmbia, Gana, Libéria, Nigéria e Serra Leoa), mais uma metade dos Camarões. Em conjunção com o francês, o árabe é falado em três países (Mali, Mauritânia, Níger). E o português em dois países (Guiné-Bissau e Cabo Verde).

E do ponto de vista económico (e laboral), hoje em dia, a maior parte dos investimentos no nosso país requerem gestores e empregados com o domínio da língua francesa (os bancos, as companhias de telecomunicações, as transportadoras aéreas, os hotéis, os serviços comerciais, etc.).

De igual modo, o português precisa de ser ensinado e dominado pelos guineenses, formal e informalmente, mas sobretudo no mundo académico e administrativo. Por exemplo, as maiores deficiências que observo entre os estudantes e os quadros guineenses é a falta do domínio da língua portuguesa. Estas ineficiências estão reflectidas nas nossas comunicações – na rua, na imprensa, no governo, na presidência, no parlamento, e noutras repartições do Estado. E essas deficiências – em conjunção com outros factores políticos e sociais – são as que causam as maiores dificuldades de acesso ao emprego nas repartições públicas guineenses.

Portanto, seria bom se os nossos dirigentes e governantes pensassem em políticas estratégicas que pudessem fazer avançar o país, em vez de se concentrarem em apenas medidas populistas e eleitoralistas de curto prazo. Um país se desenvolve e se consolida com medidas estratégicas bem pensadas, bem estudadas, bem elaboradas e com propósitos longínquos e abrangentes.

Respeitosamente,

--Umaro Djau

8 de Setembro de 2020

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