Por: F. Delfim da Silva
D’Hondt na ANP
Fracasso institucional da política
A forma como se constituiu a Mesa da ANP na turbulenta noite de 18 de abril – perguntava-se na cidade – foi regimental? Ou não foi regimental? No meio de um acalorado debate que se mostrou estéril, largamente improdutivo, o “país político” parou. Voltou ao impasse.
Entre várias questões que alimentaram a controvérsia sobre a maneira de distribuir os assentos da Mesa da ANP - de Presidente, de dois Vice-Presidentes (o Primeiro e o Segundo) e de dois Secretários (o Primeiro e o Segundo) -, ganhou relevo a questão de saber se era regimental aplicar o método D’Hondt para suprir alegadas insuficiências do Regimento nessa matéria. Graças a essa “criatividade” parlamentar, o método D’Hondt ganhou “popularidade”.
Como se percebe, eu não vou fazer, neste lugar, nenhuma interpretação própria – nem apologética, nem crítica - do que diz o Regimento a esse propósito, até porque o emergente conflito político distributivo parece já ter sido “despachado” para a arbitragem judicial. Que não deveria substituir o esforço dialógico para construir soluções políticas, politicamente. Aliás, não se deveria tomar o fracasso institucional da politica - mesmo sendo ele recorrente, persistente - como uma fatalidade guineense. Penso, pois, que ainda vale a pena tentar construir soluções politicas em vez de ficarmos todos parados à espera de um veredito judicial.
Neste artigo, limito-me a fazer uma brevíssima apresentação prática do método D’Hondt com base nos dados empíricos do próprio parlamento da X Legislatura. Faço-o por duas razões.
A primeira, porque muitos jovens que hoje estão a entrar na politica ativa andam a perguntar: como funciona esse “popular” método D’Hondt? Disseram-me, alguns, que não lhes ensinaram nada disso nas “escolas” dos respetivos partidos políticos. Acrescentaram, outros, que a única coisa que, nos seus partidos, têm afincadamente “estudado” e praticado...são campanhas politicas, e nada mais. Posto que me fizeram ver que também precisam de estudar questões politicas e não apenas fazer campanhas politicas, é para eles que escrevo este texto.
A segunda, porque aplicar o método D’Hondt para configurar toda a Mesa da ANP - não apenas uma parte dela - é uma hipótese interessante. Talvez até fosse - para o momento conturbado que estamos novamente a atravessar - uma alternativa mais sensata do que aquela criatividade com que se fez aplicar o método D’Hondt para eleger apenas parte da Mesa. Porém, continua em aberto a questão de saber o tempo e o modo de o legislador encarar tal hipótese a sério.
Representação política proporcional
Entre vários sistemas de representação politica que existem no mundo e vários métodos disponíveis para os concretizar, o legislador guineense resolveu escolher um deles: o sistema de representação proporcional pelo método D’Hondt. Bem entendido: há sistemas de representação proporcional que não se servem do método D’Hondt como, por exemplo, o que é praticado na Alemanha, em Israel...
Ora, tendo nós adotado um sistema de representação politica proporcional pelo método D’Hondt, o normal é que o legislador quisesse projetar também na configuração da Mesa da ANP a representatividade que os partidos obtiveram na Assembleia Nacional Popular com base nos respetivos resultados eleitorais.
Tecnicamente, a representação política parlamentar (quantificada) obtém-se – partindo do escrutínio dos resultados eleitorais em cada circulo eleitoral -, pela conversão dos votos em mandatos, isto é, pela “transformação” do número de votos válidos em número de deputados que, por essa via, os partidos competidores conseguirem eleger.
Trata-se de um procedimento técnico que decorre da aplicação de uma fórmula matemática de conversão, fórmula essa que ficou conhecida pelo nome do seu criador, Victor D’Hondt, daí ela chamar-se “método D’Hondt”.
Método D’Hondt, como funciona?
Veja-se, a seguir, a constituição da Mesa da ANP que teria resultado da atual configuração parlamentar se, a esse nível, o método D’Hondt fosse realmente aplicado no bom sentido, não parcialmente:
PAIGC MADEM G-15 PRS
Divisor 1 47 mandatos 27 mandatos 21 mandatos
Divisor 2 23,5 13,5 10,5
Divisor 3 15,7 9 7
Extraindo agora os resultados da aplicação do método D’Hondt que acaba de ser feita – e depois de ordenar os valores numéricos em sentido decrescente para apuramento dos cinco lugares da Mesa -, obter-se-ia a seguinte distribuição:
1. PAIGC – (47) – Presidente da Mesa da ANP;
2. MADEM G-15 (27) – Primeiro Vice-Presidente;
3. PAIGC (23,5) – Segundo Vice-Presidente;
4. PRS (21) – Primeiro Secretário;
5. PAIGC (15,7) - Segundo Secretário.
Pode-se perguntar: e qual seria a posição na Mesa do quarto partido mais votado, APU, que obteve 5 deputados? O partido APU só teria lugar numa Mesa de 18 membros uma vez que, feitos os cálculos, um partido com 5 deputados estaria exatamente na décima oitava posição. Falar assim não significa querer criticar o partido APU, nada disso. É simplesmente dar uma resposta técnica, sem acrescentar nela nenhum juízo de valor –politico ou moral.
Como se percebe, não quero e nem interessaria para o tema, entrar na questão de saber se é ou não é legítimo fazer incidir na composição da Mesa da ANP o peso de coligações pós-eleitorais. Não é assunto para este texto.
Ao fechar este ponto, posso, com toda a segurança, afirmar o seguinte: o jovem guineense que conseguir ler bem o quadro supra, já pode responder à pergunta: como funciona o método D’Hondt?
Consequências práticas da hipótese
Como se viu, o partido maioritário (na circunstância, o PAIGC) teria “perdido” a Primeira Vice-Presidência a favor do MADEM G-15 (23,5 contra 27 votos) caso fosse aplicada a “fórmula de decisão” própria do método d’Hondt com vista a compor integralmente a Mesa da ANP. O PRS, com 21 mandatos, teria assegurado a posição de Primeiro Secretário.
No cômputo final, o PAIGC continuaria a deter 3 dos 5 lugares disponíveis. Com o pressuposto, claro, de que o titular institucional do posto de Presidente da Mesa seria sempre um deputado do partido maioritário, na circunstância, um deputado do PAIGC.
Admito que este procedimento - de aplicação do método D’Hondt para compor hoje a Mesa da ANP – provavelmente ainda não teria sido regimental uma vez que o legislador ainda não o instituiu. Mas, um dia, poderá talvez vir a instituí-lo. Também, e por maioria de razão, não parece ter sido regimental a aplicação parcial do método D’Hondt – para escolher apenas parte da Mesa da ANP – tal como foi decretado numa noite parlamentar em ebulição, no passado dia 18 de abril de 2019. E mais: entre aplicar o método D’Hondt para eleger apenas parte da Mesa ou aplicá-lo para eleger todos os membros da Mesa - tenho de perguntar -, qual seria a preferência do jovem leitor deste texto?
Por: F. Delfim da Silva
D’Hondt na ANP
Fracasso institucional da política
A forma como se constituiu a Mesa da ANP na turbulenta noite de 18 de abril – perguntava-se na cidade – foi regimental? Ou não foi regimental? No meio de um acalorado debate que se mostrou estéril, largamente improdutivo, o “país político” parou. Voltou ao impasse.
Entre várias questões que alimentaram a controvérsia sobre a maneira de distribuir os assentos da Mesa da ANP - de Presidente, de dois Vice-Presidentes (o Primeiro e o Segundo) e de dois Secretários (o Primeiro e o Segundo) -, ganhou relevo a questão de saber se era regimental aplicar o método D’Hondt para suprir alegadas insuficiências do Regimento nessa matéria. Graças a essa “criatividade” parlamentar, o método D’Hondt ganhou “popularidade”.
Como se percebe, eu não vou fazer, neste lugar, nenhuma interpretação própria – nem apologética, nem crítica - do que diz o Regimento a esse propósito, até porque o emergente conflito político distributivo parece já ter sido “despachado” para a arbitragem judicial. Que não deveria substituir o esforço dialógico para construir soluções políticas, politicamente. Aliás, não se deveria tomar o fracasso institucional da politica - mesmo sendo ele recorrente, persistente - como uma fatalidade guineense. Penso, pois, que ainda vale a pena tentar construir soluções politicas em vez de ficarmos todos parados à espera de um veredito judicial.
Neste artigo, limito-me a fazer uma brevíssima apresentação prática do método D’Hondt com base nos dados empíricos do próprio parlamento da X Legislatura. Faço-o por duas razões.
A primeira, porque muitos jovens que hoje estão a entrar na politica ativa andam a perguntar: como funciona esse “popular” método D’Hondt? Disseram-me, alguns, que não lhes ensinaram nada disso nas “escolas” dos respetivos partidos políticos. Acrescentaram, outros, que a única coisa que, nos seus partidos, têm afincadamente “estudado” e praticado...são campanhas politicas, e nada mais. Posto que me fizeram ver que também precisam de estudar questões politicas e não apenas fazer campanhas politicas, é para eles que escrevo este texto.
A segunda, porque aplicar o método D’Hondt para configurar toda a Mesa da ANP - não apenas uma parte dela - é uma hipótese interessante. Talvez até fosse - para o momento conturbado que estamos novamente a atravessar - uma alternativa mais sensata do que aquela criatividade com que se fez aplicar o método D’Hondt para eleger apenas parte da Mesa. Porém, continua em aberto a questão de saber o tempo e o modo de o legislador encarar tal hipótese a sério.
Representação política proporcional
Entre vários sistemas de representação politica que existem no mundo e vários métodos disponíveis para os concretizar, o legislador guineense resolveu escolher um deles: o sistema de representação proporcional pelo método D’Hondt. Bem entendido: há sistemas de representação proporcional que não se servem do método D’Hondt como, por exemplo, o que é praticado na Alemanha, em Israel...
Ora, tendo nós adotado um sistema de representação politica proporcional pelo método D’Hondt, o normal é que o legislador quisesse projetar também na configuração da Mesa da ANP a representatividade que os partidos obtiveram na Assembleia Nacional Popular com base nos respetivos resultados eleitorais.
Tecnicamente, a representação política parlamentar (quantificada) obtém-se – partindo do escrutínio dos resultados eleitorais em cada circulo eleitoral -, pela conversão dos votos em mandatos, isto é, pela “transformação” do número de votos válidos em número de deputados que, por essa via, os partidos competidores conseguirem eleger.
Trata-se de um procedimento técnico que decorre da aplicação de uma fórmula matemática de conversão, fórmula essa que ficou conhecida pelo nome do seu criador, Victor D’Hondt, daí ela chamar-se “método D’Hondt”.
Método D’Hondt, como funciona?
Veja-se, a seguir, a constituição da Mesa da ANP que teria resultado da atual configuração parlamentar se, a esse nível, o método D’Hondt fosse realmente aplicado no bom sentido, não parcialmente:
PAIGC MADEM G-15 PRS
Divisor 1 47 mandatos 27 mandatos 21 mandatos
Divisor 2 23,5 13,5 10,5
Divisor 3 15,7 9 7
Extraindo agora os resultados da aplicação do método D’Hondt que acaba de ser feita – e depois de ordenar os valores numéricos em sentido decrescente para apuramento dos cinco lugares da Mesa -, obter-se-ia a seguinte distribuição:
1. PAIGC – (47) – Presidente da Mesa da ANP;
2. MADEM G-15 (27) – Primeiro Vice-Presidente;
3. PAIGC (23,5) – Segundo Vice-Presidente;
4. PRS (21) – Primeiro Secretário;
5. PAIGC (15,7) - Segundo Secretário.
Pode-se perguntar: e qual seria a posição na Mesa do quarto partido mais votado, APU, que obteve 5 deputados? O partido APU só teria lugar numa Mesa de 18 membros uma vez que, feitos os cálculos, um partido com 5 deputados estaria exatamente na décima oitava posição. Falar assim não significa querer criticar o partido APU, nada disso. É simplesmente dar uma resposta técnica, sem acrescentar nela nenhum juízo de valor –politico ou moral.
Como se percebe, não quero e nem interessaria para o tema, entrar na questão de saber se é ou não é legítimo fazer incidir na composição da Mesa da ANP o peso de coligações pós-eleitorais. Não é assunto para este texto.
Ao fechar este ponto, posso, com toda a segurança, afirmar o seguinte: o jovem guineense que conseguir ler bem o quadro supra, já pode responder à pergunta: como funciona o método D’Hondt?
Consequências práticas da hipótese
Como se viu, o partido maioritário (na circunstância, o PAIGC) teria “perdido” a Primeira Vice-Presidência a favor do MADEM G-15 (23,5 contra 27 votos) caso fosse aplicada a “fórmula de decisão” própria do método d’Hondt com vista a compor integralmente a Mesa da ANP. O PRS, com 21 mandatos, teria assegurado a posição de Primeiro Secretário.
No cômputo final, o PAIGC continuaria a deter 3 dos 5 lugares disponíveis. Com o pressuposto, claro, de que o titular institucional do posto de Presidente da Mesa seria sempre um deputado do partido maioritário, na circunstância, um deputado do PAIGC.
Admito que este procedimento - de aplicação do método D’Hondt para compor hoje a Mesa da ANP – provavelmente ainda não teria sido regimental uma vez que o legislador ainda não o instituiu. Mas, um dia, poderá talvez vir a instituí-lo. Também, e por maioria de razão, não parece ter sido regimental a aplicação parcial do método D’Hondt – para escolher apenas parte da Mesa da ANP – tal como foi decretado numa noite parlamentar em ebulição, no passado dia 18 de abril de 2019. E mais: entre aplicar o método D’Hondt para eleger apenas parte da Mesa ou aplicá-lo para eleger todos os membros da Mesa - tenho de perguntar -, qual seria a preferência do jovem leitor deste texto?
Por: F. Delfim da Silva
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