Na situação “atípica”, tchebeti mom na barkafon di kumpanher ka mati
Ismael
Sadilú Sanhá
Doutorando em Políticas Públicas pelo ISCTE-IUL
Pode
até parecer sarcástico ou ainda jocoso, mas de há alguns anos para cá, devido
aos momentos atrelados por que a Guiné-Bissau tem passado, apesar de ainda
continuar a resistir às intempéries e fortes investidas provenientes de “djundja
djundja pulitiku” (disputa política), os ditos eruditos e os políticos
tentam encontrar uma palavra-chave ou um rótulo, seja pejorativo ou elogioso,
para explicar o descalabro da situação política.
Entre
as palavras que mais ouvi vezes sem conta e que, a meu ver, encaixa na
perfeição das coisas é palavra “atípica”. Em Portugal, um político
de alta craveira apelidou de “geringonça” o actual governo,
resultante de uma coligação entre o Partido Socialista (PS) e os partidos da
esquerda tidos como radicais, porque a linha que orienta as suas políticas não
compagina com o sistema capitalista, em virtude do desmantelamento do “Welfare
State” (Estado provedor).
A
situação “atípica” e que vive o país revelou ser um arauto de todas as
desgraças que pairam sobre a nossa terra, uma vez que jungiu energicamente a
parafernália indispensáveis à consolidação da democracia. Em decorrência, tem-se
assistido às constantes convulsões políticas, interrupção temporária da
Constituição da República, à ineficácia do sector judiciário, ao caos social
etc.
Perante
está amálgama inerente à conjuntura actual, a única pessoa que ainda resiste às
ondas de “atipicidade”é o Presidente da República, por o seu mandato
ainda estar em curso nos termos constitucionais. Os Deputados já entraram na “aticipidade”
devido à caducidade dos seus mandatos balizados pela lei, mas conseguiram
forjar o seu resgatamento e manutenção. Também a justiça passou a ser “atípica”,
devido à não observância estrita das leis.
Entretanto,
devido à adversidade de “atipicidade”, é assaz cristalina que ir às eleições no dia 18 de Novembro,
apesar da obrigatoriedade de se cumprir escrupulosamente com o calendário
eleitoral, a curto ou a médio termo, as eleições não serão uma panaceia para
mudar o estado das coisas a que chegamos. De facto, só servirão para desempatar
a vigente contenda e, sobretudo, demonstrar na prática quem é quem nesta nova
configuração política.
Convém
relembrar que, a partir do dia em que foram seladas as portas da ANP,
iniciaram-se séries de coisas “atípicas”, nomeadamente a tomada de
decisões fora do quadro legal, que culminou com a prorrogação do mandato dos
representantes da casa do povo. “Atipicamente” também foram
sancionados 19 individualidades que, no meu entendimento, tinha como objectivo
arredar temporariamente do jogo político os principais decisores envolvidos na
tomada de decisão, para assim desbravar o caminho. Por isso, foram
implicitamente acusados de causar perturbação para se encontrar uma saída
airosa para a crise. Assim ficou mais fácil impedir os 15 deputados expulsos do
PAIGC de tomar parte na negociação para formação de um governo inclusivo, tendo
sido igualmente invocado que ainda faziam parte da bancada parlamentar do
partido porque foram eleitos.
E,
nesse vai e vem “atípico”, apesar de não granjear toda simpatia dos autores
envolvidos nesta azáfama, com o empurrão da CEDEAO, felizmente, conseguiu-se
nomear o Primeiro-ministro, Dr. Aristides Gomes, que tem a tarefa ingente de
remover todos os empecilhos à realização de eleições.
Depois
da escolha de um novo Primeiro-ministro, de entre todas as questões, a mais
importante era “rabata rabata, assumbu lélé di bornal”, ou seja, quem iria
ficar com o quê, visto que ninguém
queria ficar com “ós di kanela”, tendo em consideração que é deveras paupérrimo
para uma dieta alimentar saudável.
Não
obstante de se ter procedido a várias, intensas e difíceis rondas negociais, os
partidos com mais número de cotação na ANP fizeram finca-pé para ter em suas
posses algumas pastas vitais e estratégicas, nomeadamente a do Ministério da
Economia e Finanças que, por último, acabaria por ficar com o Primeiro-ministro,
e com ambos os secretários de estado pertencentes ao PAIGC e ao PRS, com
algumas reservas, foi viabilizado a formação do governo.
Desta
feita, o “atchebem di bambo pulitiku” que tinha iniciado apenas 5
minutos, era mais que suficiente para balizar a regra do jogo e o tornou as
coisas ainda mais “limpu suma laba di kil djintis”. Cabe aos detentores reais do poder, donos das pastas, a tarefa de
geri-lo, exonerando e nomeando para as funções quem lhes convém e apetece, sem
interferência externa. Isto quer significar que numa situação “atípica”
ninguém mas ninguém pode meter “mom na barkafom dici kumpanher”.
Como
algumas cedências são impreteríveis para viabilizar o que está em jogo,
sobretudo numa situação “atípica, dolorosamente as pastas
almejadas tiveram que ir parar às mãos dos adversários e vice-versa. Para
contornar esta situação e tirar dividendo, foram posto em marcha a estratégia “pa
solfa”, seja algumas direcções ou entendidas autónomas, para assim
materializar o desejo incipiente.
Assim,
entre o PAIGC e o PRS foi assinado um acordo de princípio, cujo conteúdo só
eles sabem. Mas tudo indica que o PAIGC esperava recuperar a ARN e afins, em
contrapartida cedia alguns lugares de governadores e administradores regionais ao
PRS, uma vez que este ultimo estava interessado na manutenção dos seus para
assim poder acompanhar o recenseamento eleitoral de perto. Acontece que, o
PAIGC foi apanhado na contra-curva, e não esperava que o PRS tivesse uma
posição benevolente com os 15 deputados ao ponto de garantir a sua manutenção em
algumas pastas.
Para
aferir este axioma, em jeito de “revanche” e obrigar o PRS a cumprir
com o que foi acordado, como sendo o detentor da pasta da Administração
Territorial, o PAIGC decidiu apenas nomear os seus, deixando de lado os do PRS,
o que provocou uma cólera na Direcção Superior do PRS.
Reagindo
a esta situação, numa entrevista, o líder de bancada do PRS, Certório Biote,
disse “ (…) Nem discutimos ainda o
formato de distribuição das regiões e sector, mas alguém já está a actuar à
margem desse princípio”. (Fonte: http://www.odemocratagb.com/?p=16795).
A
vez, o porta-voz do PAIGC, João Bernardo Vieira, durante uma conferência de
imprensa, afirmou que “o consenso chegado
nesse acordo de princípio é de que dentro das competências que o PAIGC irá
exercer, se o PRS quiser nomear os seus dirigentes como governadores em algumas
regiões, pode solicitar e em contrapartida deve ceder ao PAIGC a direcção da
ARN ou qualquer direcção-geral que está sob a sua responsabilidade. No
entendimento do PAIGC, essa ideia foi ignorada pelo PRS, que acusa de querer
tomar governadores de borla, sem dar nada em troca, (…)”. (Fonte: http://www.odemocratagb.com/?p=17076).
Essa
troca de palavras, entre os dois grandes partidos, só veio a reforçar a tese
que, a conjuntura hodierna é “atipicíssima”, porque ficou
implícito, nas comunicações acima referenciadas, que foi feita a tentativa de
negociar até os lugares que deviam ser preenchido via concursal.
Por
esse motivo, não vejo como, por exemplo, obrigar um PAIGC ou PRS a nomear uma
pessoa que não é da sua confiança, nos pelouros que lhes pertencem, mesmo
perante um mandato judicial.
Por
isso, tendo conhecimento que o momento é “atípico”, fico incrédulo e
estupefacto, ao ver o PM a tentar permear o espaço que lhe é reservado, pela
força do Decreto que o nomeou e que foi muito peremptório em atribuir-lhe a
missão, para tomar medidas que ultrapassam o âmbito da sua competência,
desfocando do essencial ao ponto de correr o risco de não poder organizar as
eleições.
Igual
a todos os cidadãos guineense, também sou contra a precariedade que a função
pública vinha enfrentando ao longo desses anos, mas o momento não é adequado
para fazer qualquer alteração na grelha salarial. Os parcos recursos
financeiros que o país dispõe, neste momento, podia servir para tapar enormes
buracos em distintas instituições emergentes e contribuir para a realização de
eleições.
Durante
uma entrevista, o próprio Dr. Aristides Gomes, “ lembrou que a missão do seu governo é essencialmente organizar as
eleições. Mas somos interpelados no terreno de acção para o qual não estávamos
legitimamente armados, porque somos os resultados dos acordos internacionais
assinados por diferentes intervenientes e a nossa missão principal é organizar
eleições” (Fonte: Jornal O Democrata).
Para
concluir, no actual ambiente político, o guineense só tem uma alternativa para
expurgar o clima “atípico”: encurtar o enorme fosso de dissenso existente e criar
um amplo consenso entre os principais players.
Só isso vai permitir assentar a poeira e inibir a lavra da persistente
ignição, com magnitude imensurável, para assim viabilizar o resgate sincero da guinendadi.
Ignorar
o momento e as circunstâncias pode nos induzir a tomar decisões desenquadradas
e extemporâneas, e colocar em perigo a alternativa “atípica” encontrada para
permitir o país aliviar desta persistente picardia política.
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