terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A luta frenética pelo controlo do comando da televisão.
Por. Mestre Ismael Sadilú Sanhá Sadi

Sem reservas confesso que, de vez em quando, me sabe bem sair do mundo dos adultos e entrar no das crianças. É um universo mágico, mas muito complexo e nem mesmo os deuses o conseguem descortinar.

Nos últimos tempos, tenho chegado a casa extremamente cansado, pois além de cumprir diariamente o meu dever de servir o Estado, ando embrenhado nas tarefas do curso e na redação da minha tese de doutoramento.

Quando chego em casa, uma vez que estão de férias, as primeiras pessoas que vejo são os meus filhos, que me recebem com muita alegria e risos contagiantes. Para me demonstrarem o seu afeto e carinho cada um à sua maneira tenta fazer algo para colorir o resto do meu dia. Passar muito tempo fora de casa, deixa muitas saudades.
Após os abraços calorosos, começa a disputa de quem vai arrumar a minha mochila ou quem me vai tirar os atacadores dos sapatos e a briga começa! Sou obrigado a intervir e indico o que cada um deve fazer, pois só assim ficam mais calmos e sentem que estão a ser úteis ao Pai.

Até aqui, tudo bem! Porém, o ambiente calmo e alegre começa a mudar quando se tenta controlar o comando da televisão. Este será, provavelmente, um dilema vivido em todas as famílias, que têm apenas uma televisão, pois cada um tem o seu canal e programa preferido.
Após mudar de roupa, para algo mais confortável, vou para a sala e ligo a televisão para me atualizar sobre as últimas notícias que marcam o mundo. Entre os canais a que tenho acesso via satélite, a minha escolha, habitualmente, recai sobre a SIC Notícias e a RTP1, pois à exceção do Jornal das 21h00, raras são as vezes que vejo a televisão nacional.

As notícias incidem sobre a oposição de Donald Trumph ao ingresso dos transexuais no Exército Americano ou no Daesh que reivindica a colocação de uma bomba algures. E assim vai o mundo!
Mal começo a ver o canal da minha preferência, ouço duas vozes melancólicas que me pedem para ver o Canal Panda! Sobretudo o cassula que me diz: Pai, vá lá!
Levanto-me para ir à cozinha para beber um copo de água e ao voltar reparo que mudaram o canal. E já não seria a primeira vez, que escondem o comando da televisão, e só o devolvem depois de fazerem uma grande birra. Volto ao canal que estava a ver.
No início, ainda resisti à forte pressão e tentei superar as expressões imaculadas cheias de amor com que os meus filhos me olhavam. Todavia, não é novidade que quando as pessoas amam incondicionalmente os seus, por mais que tentem ser duras e irredutíveis, acabam sempre por ceder.
Para lhes fazer a vontade e não voltar a vê-los tristes, decidi colocar uma televisão no meu espaço privado. Respirei fundo e pensei que finalmente poderia ver os canais da minha preferência e refletir um pouco sobre os principais acontecimentos que ocorrem no mundo, sem contrariar as pessoas que tudo representam para mim. São os meus filhos que me ajudam a desanuviar e a esquecer temporariamente a violência que assola o mundo em que vivemos.
Porém, foi o início de uma longa perseguição, no bom sentido do termo, porque mesmo com a televisão da sala à sua inteira disposição, decidiram vir ter comigo a implorar para mudar para o Canal Panda.
Fico espantado e pergunto-lhes o que pretendem afinal, pois tinham uma televisão onde poderiam ver o canal que quisessem, mas após muita insistência, acabo por lhes entregar o comando da televisão.
Curiosamente, cada um dos meus filhos tem a sua preferência, um quer ver a Disney Channel e o outro quer ver o Canal Panda. Perante esta situação, peço ao mais velho para deixar o mais novo ver o Canal Panda, até terminar a série a que está a assistir e após isso também ele poderá ver o seu programa favorito.

Após uma intensa negociação, ambos acabam por concordar. Porém quando termina o tempo atribuído ao mais novo, ele recusa-se a cumprir o combinado e não deixa o irmão ver o que quer. Não tendo como contornar a situação, acabam a ver o Canal Panda.
Sinto-me cansado e não me apetece sair do quarto e apesar de não estar interessado no programa a que estão a assistir, distraio-me a ler um livro e acabo por adormecer.

Com os olhos quase fechados, ouço do fundo, alguém a dizer: O que é isso? Estou a tentar salvar-te! Salvar-me? Você quer chupar a minha língua? Era o Rei Juliano e o seu súbdito Maurício. O Rei Juliano chama-lhe Mó, quando o tenta reanimar, através de respiração boca a boca, após um desmaio.
Quem já foi escuteiro, sabe ao que me refiro. Fui um dos primeiros escuteiros exploradores da Escola Taborda, após a independência.

Perante a saga do Rei Juliano, acabei por esquecer tudo o que tinha acontecido e começámos a rir sem parar. Como é mostrado todos os dias na série, acabaram por fixar as palavras do Rei Juliano e vezes sem conta, repetem: você quer chupar a minha língua? 

Rimos imenso em conjunto e aos poucos começo a entrar no mundo das crianças, a que um dia tive o prazer de pertencer.
Após tanta celeuma, cheguei à conclusão que o que eles realmente queriam é estar junto de mim, para brincar e trocar miminhos.

Já não consigo ficar sem ver o Rei Juliano, todos os dias, às 20h00, no Canal Panda.

Aos adultos, aconselho que, de vez em quando, entrarem no mundo das crianças, quiçá, assim teremos um mundo sem maldade e cheio de amor.
Com eles aprendi que é possível fazer um mundo de sorrisos e boa fé!

Ismael Sadilú Sanhá

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