Resgate de bancos na Guiné Bissau: uma necessidade
imperiosa ou uma perda de coerência intelectual?
Em Julho de 2015, o antigo governo da Guiné-Bissau liderado por Domingos Simões Pereira, na pessoa do seu ministro das finanças, Geraldo Martins, contraiu secretamente um crédito na ordem de 34 mil milhões de francos CFA ($57,81 milhões de dólares) para a limpeza da carteira de créditos privados mal parados. Em outras palavras, o governo transferiu as dívidas privadas de um grupo de pessoas, para o povo guineense. Esta é uma operação desnecessária e incoerente, porque de um lado, o aumento da dívida pública pode ter impacto negativo no crescimento económico.
Qual é a dimensão dos bancos resgatados? Quais são as interconexões e o risco de contagio com as outras instituições financeiras no país e com o resto da economia nacional? Os bancos resgatados podem ser substituídos pelos outros bancos comerciais concorrentes no país? Quantos empregos serão criados ou serão preservados com a decisão dos antigos governantes?
Segundo algumas informações ainda não confirmadas, o governo da Guiné-Bissau contraiu a dívida com os dois principais bancos num custo de 7% anual para um prazo de 10 anos.
A confirmar estes dados, só os custos de juros serão, aproximadamente, por volta de $4 milhões de dólares anuais (2,3 bilhões de FCFA numa taxa de conversão nominal de $1 = 581,55 FCFA) ou seja, $40 milhões de dólares num período de 10 anos (23,2 bilhões de FCFA correspondentes a 68% da dívida contraída). Adicionando o capital inicial emprestado de $57,81 milhões de dólares, o custo geral do resgate para o povo guineense será na ordem de $97 milhões de dólares, ou seja 56,4 bilhões de Franco CFA.
Em Julho de 2015, o antigo governo da Guiné-Bissau liderado por Domingos Simões Pereira, na pessoa do seu ministro das finanças, Geraldo Martins, contraiu secretamente um crédito na ordem de 34 mil milhões de francos CFA ($57,81 milhões de dólares) para a limpeza da carteira de créditos privados mal parados. Em outras palavras, o governo transferiu as dívidas privadas de um grupo de pessoas, para o povo guineense. Esta é uma operação desnecessária e incoerente, porque de um lado, o aumento da dívida pública pode ter impacto negativo no crescimento económico.
No
contexto de um país como a Guiné-Bissau que tem acusado sistematicamente o
défice de balança de pagamento, o país é obrigado a endividar-se para poder
continuar a funcionar normalmente. Cada ano que o governo acusa défice, o
Estado guineense deve endividar-se de novo para cobrir as suas despesas
correntes e, ao mesmo tempo, pagar as dívidas anteriores, o que acaba por
aumentar os custos dos serviços da dívida, nomeadamente o pagamento de juros e
reembolsos do capital. Todas estas despesas acabam por aumentar o défice da
Guiné-Bissau.
Este
ciclo vicioso pode colocar o país numa situação preocupante porque a sua
política orçamental vai-se deteriorando e a sua insolvência aumenta. Em
consequência, os credores do país acabam por perder a sua confiança no país e
mudam as suas opiniões, como pode ser o caso do Fundo Monetário Internacional,
no quadro do empréstimo alargado à Guiné-Bissau. Ao não disponibilizar os tais
créditos prometidos, a decisão do FMI pode colocar o país numa posição de grave
crise financeira.
Por outro
lado, se o crescimento económico for fraco (como tem sido na maior parte dos
casos), o rácio de solvência se degrada. O rácio de solvência é a relação entre
o Produto Interno Bruto (PIB), um indicador da riqueza do país directamente
ligado ao crescimento económico, e o peso da sua dívida. Com uma tal
degradação, a dívida de um país começa a ser insuportável e, consequentemente,
corre-se uma situação de risco de falência. Então questiona-se: porquê salvar
os Bancos de risco de falência e colocar o estado numa posição delicada que no
futuro pode o levar à falência? Entre as duas hipóteses, qual é a mais
grave?
Numa
economia de mercado normal, se um credor (neste caso um banco) emprestar
dinheiro que não conseguiu recuperar, porque analisou mal os riscos, ele assume
as perdas e as devidas consequências. De igual modo, se uma empresa se
endividar e investir mal o dinheiro e se encontrar na impossibilidade de pagar,
ela declara falência. Neste caso específico talvez o problema seja dos bancos
que perderam o dinheiro e das empresas que vão à falência, mas certamente não
deveria ser um problema do governo e do povo da Guiné-Bissau.
Uma
análise coerente e inteligente podia reconhecer facilmente o facto que a
operação de resgate aumentaria significativamente as despesas do governo e não
seria capaz de reduzir os riscos assumidos pelos bancos e nem modificaria o
comportamento dos empresários em defeito de pagamento.
A tal
operação de resgate não é só incoerente, mas também não reforçará a eficiência
global da economia nacional, porque os grandes beneficiários são accionistas
privados e estrangeiros dos bancos “resgatados”. Ironicamente, o antigo governo
proferiu não divulgar a lista dos beneficiados.Qual é a dimensão dos bancos resgatados? Quais são as interconexões e o risco de contagio com as outras instituições financeiras no país e com o resto da economia nacional? Os bancos resgatados podem ser substituídos pelos outros bancos comerciais concorrentes no país? Quantos empregos serão criados ou serão preservados com a decisão dos antigos governantes?
Independentemente
de respostas a oferecer, numa economia como a nossa, onde a maioria das
actividades comerciais não passam pelo sistema bancário — pois a nossa economia
é muito informal — a intervenção do Estado nesta situação é desnecessária.
Custo financeiro e social do resgateSegundo algumas informações ainda não confirmadas, o governo da Guiné-Bissau contraiu a dívida com os dois principais bancos num custo de 7% anual para um prazo de 10 anos.
A confirmar estes dados, só os custos de juros serão, aproximadamente, por volta de $4 milhões de dólares anuais (2,3 bilhões de FCFA numa taxa de conversão nominal de $1 = 581,55 FCFA) ou seja, $40 milhões de dólares num período de 10 anos (23,2 bilhões de FCFA correspondentes a 68% da dívida contraída). Adicionando o capital inicial emprestado de $57,81 milhões de dólares, o custo geral do resgate para o povo guineense será na ordem de $97 milhões de dólares, ou seja 56,4 bilhões de Franco CFA.
A dívida
será assumida pelas crianças e jovens guineenses que verão os seus futuros
hipotecados pela ausência de investimentos públicos nos serviços sociais
adequados; pelas mulheres “bideiras” que trabalham honestamente para ganhar o
mínimo para as suas sobrevivências e que devem pagar impostos ou taxas no
quadro das suas actividades económicas; pelos funcionários do Estado que são
frequentemente privados dos salários durante meses (que na lei internacional do
trabalho é considerado de crime); pelos artistas e homens da cultura que nunca
receberão apoios financeiros significativos para desenvolver e promover a
cultura nacional, etc.. E, tristemente, os principais responsáveis pela dívida
continuarão os estilos de vida e de consumo que ostentam para provar os seus
“superiores” estatutos sociais.
Elaborar
uma concepção intelectual e coerente das políticas da intervenção do Estado no
sector privado é, antes de tudo, identificar os principais factores de risco e
de disfuncionamento do sector e analisar as medidas precisas para prevenir ou
reduzir o tal disfuncionamento financeiro e económico. E mais que isso, o
governo deve ser capaz de nos mostrar em como uma intervenção ou outra é a
melhor forma de prevenir o problema, remediá-lo ou atacar qualquer situação de
constrangimento que surgisse ao longo do processo.
Do
ex-governo guineense ainda não há informações oficiais, mas as explicações do
então ministro da Economia e Finanças, Geraldo Martins, nas suas notas através da sua página pessoal no Facebook,
parecem-me perturbadoras e incoerentes em relação aos avanços registados no
mundo à luz das teorias económicas.
Primeiramente,
nenhuma intervenção do Estado na economia garante um crescimento económico de
maneira sistemática e sobretudo a longo termo. Um resgate por si só não
garante o crescimento económico.
Segundo,
na sua quinta nota explicativa da razão do resgate aos bancos, o ex-ministro
disse o seguinte: “Os bancos atribuíram a situação ao golpe de estado de 2012
que terá prejudicado muitos operadores económicos”. Se consideramos a
instabilidade política como um factor de instabilidade económica, então não
faria sentido nenhum o Estado guineense assumir quaisquer dívidas resultantes
de tais condicionalismos porque ninguém pode afastar as possibilidades para
mais recorrências. Aliás, este parâmetro de risco tem um impacto negativo na
percepção e consequente crescimento económico do país, enfraquecendo as
instituições públicas e privadas, promovendo a corrupção e desencorajando todo
tipo de investimento. Ao contrair uma dívida bancária dos terceiros sob o
pretexto de uma instabilidade política e militar, os ex-governantes
mostraram-se incoerentes na forma de gerir a economia nacional.
Terceiro,
dependo das circunstâncias e da necessidade de intervenção, o Estado pode agir
de duas formas:
1. Através
de uma política conjuntural (intervenção a curto termo com objectivo de
controlar a demanda global)
2. Através
de uma política estrutural que se preocupa mais com as condições de
funcionamento dos mercados e do potencial de crescimento económico a longo
termo.
A
operação de resgate pode ser considerada como uma política conjuntural que é
uma combinação da política monetária e orçamental. Os sustentos dessa política
são essencialmente baseados nas políticas monetárias e de câmbio para agir
sobre a liquidez. E como a Guiné-Bissau não tem o controlo da sua política
monetária devido à zona monetária UEMOA onde está inserida, o Estado (governo,
neste caso) não pode agir sobre a massa monetária, nem sobre as taxas de juros
para incentivar o investimento. Aliás, a sua política orçamental e fiscal
carece de sustentabilidade porque depende fortemente das ajudas externas e a
sua capacidade de gerar receitas é fraca. Então a tentativa de salvar os bancos
com o pretexto de estimular a demanda global tem pouco chance de sucesso, com
previsões praticamente nulas.
Quarto e
último, a teoria de Relance Económica de um dos melhores economistas de todos
os tempos, John Maynard Keynes (1883-1946), diz o seguinte: O governo pode
aumentar as suas despesas públicas e reduzir impostos e a receita fiscal para
aumentar a demanda global e estimular a economia. O economista britânico sugere
a injecção de dinheiro líquido na economia através de investimentos nos novos
projectos, como forma de permitir as empresas aumentar a produção, gerar
lucros, criar mais empregos e melhorar salários. Keynes, por último, fala do
aumento de salários como forma de aumentar o consumo de bens produzidos. Estas
são as formas mais coerentes e universais de relançar a economia de um país.
Lições
económicas de lado, para além do processo de resgate ter sido conduzido com uma
total falta de transparência (e em secretismo), ele também carece de coerência
micro e macroeconómica, técnica e intelectual.
*Economista
e Planificador Financeiro junto ao Royal Bank de Canadá
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