Movimento para Alternância Democrática (MADEM-G15) versus PAIGC
Ismael Sadilú
Sanhá
Doutorando em
Políticas Públicas pelo ISCTE-IUL
Caros
concidadãos e os estudiosos da realidade da Guiné-Bissau, aproveito esta
oportunidade para partilhar convosco, um artigo de opinião da minha autoria,
atinente aos motivos que estiveram na origem de rutura entre o PAIGC e os 15
Deputados expulsos e que deu azo à germinação do MADEM-G15.
A
minha análise também não descurou o possível cenário que poderá ocorrer em
virtude da realização das próximas eleições. Esta análise contrasta
sobremaneira com o inquérito realizado pelo Centro para a Democracia, a
Criatividade e Inclusão Social (DEMOS) datado de 18/07/2018, devido ao rigor, à
imparcialidade e objetividade baseados nos antecedentes factuais e na crise
atual.
Devido à
complexidade e à dinamica da atual crise, mesmo apoiado com amostras do
inquérito DEMOS, é muito cedo para fazer qualquer tipo de inferência, uma vez
que se pode correr o risco de não acertar nas previsões.
Posto isto, desejo
a todos uma boa leitura!
É
deveras lamentável que, desta vez, “nim pa nô uni, nim pa nô mama, nim tiu Demba
kuta kansa djintis tudu lado”,
não ter podido impedir a implosão da crise interna do PAIGC.
Em consequência,
falhados todos os intentos de lhes retirar o mandato, em virtude de se absterem
de votar o Programa do Governo, foram expulsos os 15 deputados sem qualquer
hesitação. Esta atitude não ficou somente por aqui, transcendeu todos os
limites da razoabilidade e da tolerância, na medida em que, também, foram
expulsos um número significante de militantes, por terem ousado ter uma opinião
contrária à Direção Superior do Partido ou solidarizar-se com os 15 deputados
expulsos.
Outrora,
quando o partido passava por maus momentos, seja por causas endógenas ou
exógenas, para serenar os ânimos e cerrar as fileiras e promover a coesão
interna, bastava apenas um militante começar a cantar “pa nô uni pa nô mama”,
para em uníssono as vozes desafinadas e os olhares enfurecidos darem tréguas e
arrepiarem o caminho para um diálogo “franco e sincero”, como se costuma
dizer no partido. Mesmo que fosse momentânea, ajuda a promover a reconciliação.
Isso permitia discernir que, não obstante possuirem pontos de vista
divergentes, são ramos do mesmo tronco e olhos na mesma luz. À maneira do
PAIGC, os verdadeiros camaradas abraçavam-se e dos olhos vertiam-se as
lágrimas. Pronto, já passou! Pabia kamarada ka ta espezinha kamarada; kamarada
ka ta cerka kamarada; kamarada ka ta kumé kamarada.
Quando
o Amílcar se apercebeu disso, após ter tomado duras medidas durante o Congresso
de Cassacá, que viriam a custar a sua própria vida mais tarde, foi obrigado no
intermédio a amolecer a queda ancorando-se no conceito de “recuperação do homem”.
Não
se afigura certo que ao recorrermos a métodos repressivos ou a radicalizamos as
nossas posições se consiga desbravar o caminho e levar a bom porto as mudanças
e inovações almejadas. Isso só se consegue através de informação e
sensibilização.
Posto
isto, para melhor compreender este contundente imbróglio, confere levantar
algumas questões, que acho pertinentes:
1. O
que motivou os 15 deputados a votarem abstenção ao Programa do Governo
apresentado pelo seu próprio partido na ANP?
2. Será
que ficou a dever-se ao défice democrático e ao isolamento dos militantes
pertencentes ao projeto “Por uma
liderança democrática inclusiva” ou existirão outras motivações?
3. Qual
foi o elemento catalisador para criar a cisão no mesmo tronco e obrigar alguns
ramos a olharem para luzes diferentes?
Antes
de entrar no essencial do propósito da minha opinião, é necessário revisitar o
VIII Congresso do PAIGC, em Cacheu, para ilustrar os discursos proferidos pelos
candidatos à liderança do PAIGC, após terem sido divulgados os resultados. Isso
será um bom fio condutor para dar uma visão mais ampla do “sarbadó” que provocou a rutura entre camaradas. Assim:
1. Domingos
Simão Pereira (DSP), afirma que “(…) todavia,
hoje, “encontrado o vencedor” temos
de enterrar os machados e provar uma capacidade ainda maior para promover a
reconciliação e o entendimento, e juntos provarmos ser capazes de proteger e
promover o PAIGC. Conhecendo as
qualidades tanto políticas, como humanas, dos meus dois camaradas, Braima
Camará e Aristides Ocante, eu não tenho qualquer dúvida que vamos percorrer mil
milhas, se for necessário, para a promoção de tal união, de tal coesão que os
nossos mais velhos nos vieram aqui ensinar”;
2. Braima
Camará (BC) referiu “(…) acho que não há
vencido, nem vencedores; mais votados, nem menos votados, mas sim, irmãos,
camaradas, que estão condenados a caminhar juntos (…). É nossa convicção que o
que nos levou a liderar o projeto aqui apresentado é acharmos que o PAIGC precisa de uma liderança forte e
consequente, que aceite prestar contas aos militantes, perante tudo e quaisquer
desafios que enfrente, caso contrário, no meu ponto de vista, o líder terá uma
perna amputada. (… ). Quero um PAIGC unido, sincero, inclusivo, de diálogo e de
tolerância. O que está em causa, aqui, é a paz, a estabilidade, a democracia
interna do partido, o progresso e o bem-estar para o povo guineense;
3. Aristides
Ocante (AO) assevera que “(…) quero um
PAIGC cada vez mais unido, onde não exista espaço para um espectro de intrigas,
que ponha termo definitivo a prática de
denúncia e de diabolização dos camaradas que têm a sua própria opinião ou uma
opinião diferente da maioria”(Fonte: Youtube).
Para
dissipar eventuais dúvidas, é importante salientar que o poder tinha que ser
partilhado, independentemente de quem for eleito. Para aferir essa situação,
foi enviado um primeiro sinal forte que se consubstanciou no chumbo da proposta
para alterar os estatutos do último congresso de Gabú, defendida pelo projeto “Por uma liderança democrática inclusiva”,
liderado por Braima Camará, que obteve 410 votos contra e 718 a favor da
“Aliança para Unidade e Coesão do PAIGC”, liderado por DSP. Esta mensagem causou
apreensão e serviu de advertência à plataforma que suportava o DSP e albergava
várias sensibilidades.
Depois
de anunciado o vencedor, a grande questão que pairava no ar era:
Se,
de facto, o DSP terá uma autoridade absoluta em todas as grandes decisões da
vida do partido, ou seja, se era Dono Disto Tudo, ou irá partilhar o poder como
era desejável, tendo em conta os resultados eleitorais?
Consciente
da dificuldade que terá pela frente, a recém-eleita Direção Superior do
Partido, para contornar a situação, decidiu adotar a lógica fracionista de que “quem
ganha, ganha tudo e quem perde, perde tudo”. No contexto africano, em
particular na Guiné-Bissau, é quase impossível, nem é desejável que quem ganhe
leve tudo.
Na
tenra idade, os mais velhos sempre nos transmitiram que os
valores essenciais para permitir uma convivência sã e pacífica com a
vizinhança, eram principalmente saber partilhar. Isso foi determinante para
conseguirmos uma proeza quase inédita em toda a África, de termos feito os
“Tugas” renderem-se e voltarem para as suas terras. É por essa razão que Dr.
João André da Silva, abordando sobre Cumberé, Cumberé, no na mama, cumberé,
cumberé, disse que “Mandjuas ta fassi kumé-kumé, sim n´porta ku koldadi di bianda ku kada
kim na tissi. (…) Ninguim ka ta n´fatiu pabia di bu kuntangu” (Fonte:
Facebook). E quem não compreender isso, sobretudo ter noção do momento e das
circunstâncias, pode cair na perdição.
O
machado que se pediu para ser enterrado, não demorou a ser erigido e colocado
em riste e, ao invés de se percorrerem mil milhas para evitar a erosão da
coesão interna, zero (0) milhas eram mais que suficiente para colocar em perigo
a unidade, que se prometeu preservar. Não foi fomentada uma derradeira
reconciliação no partido, a fim de aproximar as partes afastadas devido ao
pleito.
Nesta
ótica, sabendo da pujança e do feito conseguido pelo projeto “Por uma liderança democrática inclusiva”,
foi preterido propositadamente o princípio de “inclusão e de solidariedade”, a não integrar nenhum dos elementos do
projeto, atrás aludido, no órgão superior do partido, como por exemplo, um dos
vices. Vale a pena ressalvar aqui que, não era obrigatório observar-se esse
pressuposto, mas julga-se necessário para a coesão e estabilidade do partido e
para desanuviar as tensões e emoções provocadas pela disputa, uma vez que a
tónica do discurso da liderança do partido acentuava-se mais na “reconciliação
e o entendimento”.
Nesta
saga, para se ter um domínio total do partido e certificar que todas as
decisões, mesmo as que vão contra o interesse do próprio partido, terão o
beneplácito da maioria, a seleção do grosso dos membros do Bureau Político,
passou por um crivo muito forte e teve por base as relações pessoais e de
afinidades. O mesmo se fez na escolha e seleção dos membros do Comité Central,
órgão deliberativo máximo no intervalo dos congressos.
Assim,
a maioria dos membros que compõem os órgãos superiores do partido pertencem ao
projeto eleito no congresso e alguns dos que fazem parte do projeto “Por uma liderança democrática inclusiva”,
só por sorte ou por ironia do destino, conseguiram entrar.
Só
não foi possível impedir que os seus nomes constassem na lista para os
deputados, porque infelizmente, salvo o cabeça de lista, que é indigitado pela
Direção Superior do Partido, os restantes lugares são escolhidos na base, taco
a taco, através de mãos no ar ou nas urnas. E foi assim que muitos se
conseguiram safar e se elegeram deputados.
Devido
a vários fatores, nomeadamente à falta de diálogo interno, à convocação
estatutária de órgãos para debater a vida do partido, sobretudo as questões
prementes e à restrição do espaço às pessoas com opiniões contrárias, a meu
ver, foi o mote que levou os 15 deputados a recorrem aos seus “kapotes di diputadundadi”, para
manifestarem os seus desagrados perante o estado das coisas. Se no partido,
foram amordaçados, na ANP encontra-se uma arma que pode ser mortífera para o
partido, caso seja acionada.
Após
vários falhanços para encontrar uma saída que não fosse prejudicial para o
partido, infelizmente devido à radicalização de posições subsumidas pelo
Partido, não foi possível o retorno destes altos dirigentes.
Foi
nesta sequência que surgiu o Movimento de Alternância Democrática (MADEM-G15),
como alternativa para continuar a lutar e promover os ideais por que os seus
promotores sempre lutaram, que é um desenvolvimento inclusivo, na diversidade
de orientações dentro da bandeira do mesmo partido.
E
agora? Agora, que se canta “pa nô uni pa
nô mama”, há uma linha ténue que separa o MADEM G-15 do PAIGC, e ambos
juram encarnar e fiéis aos ideais de Cabral. Na medida em que se aproximam as
próximas eleições e as expectativas são elevadas, tendo em conta que serão
muito disputadas, sobretudo entre o MADEM G-15 e o PAIGC, a pergunta que se
coloca é a seguinte:
1. Será
possível aos líderes do MADEM-G15 manter a sua base eleitoral ou penetrar e
capitalizar votos nas tradicionais bases do PAIGC?
2. Conseguirá
o PAIGC, mais uma vez, vencer este desafio?
Devido
à complexidade e à dinâmica da atual crise, creio que é muito cedo para fazer
qualquer tipo de inferência, uma vez que se pode correr o risco de não acertar
nas previsões. É evidente que o MADEM-G15 não irá abandonar a sua zona do
conforto, ou seja, o seu habitat
natural, para angariar votos. É muito mais fácil combater no terreno que se
conhece do que no movediço, portanto, irá certamente, tentar disputar até ao
último voto nas bases importantes do PAIGC e convencer os antigos camaradas a
ingressarem nas suas fileiras, até porque o projeto do MADEM-G15 é muito “ambicioso,
aglutinador e inclusivo”.
O
lado positivo é que a maioria dos dirigentes deste partido tem sido eleitos e
continuam elegíveis, o que não complica muito a sua interação com a base. Até
às eleições, muitas coisas podem mudar, entre as quais, a deslocação em
catadupa dos militantes do PAIGC para MADEM-G15 ou o contrário.
Algumas
pessoas afirmam que o PAIGC ganhará estas eleições, porque tal já tinha
acontecido em circunstâncias similares, quando alguns militantes decidiram
ingressar em outras formações partidárias, por ser um partido histórico. O
sustentáculo desta afirmação, por um lado, diz-se que se deve ao facto de ser
um partido histórico que, ainda, se encontra ligado pelo cordão umbilical com
alguns eleitores; e por outro, porque quando o Partido vive uma crise interna,
mesmo à porta do pleito eleitoral, consegue ultrapassar as divergências e
juntar as pontas soltas, mesmo que seja efémero, para ganhar as eleições.
Na
verdade, esta constatação só é correta se olharmos para os números finais e não
para as perdas reais de votos e de deputados decorrente de crises internas no
PAIGC ao longo do tempo. Senão vejamos:
1. Na
ressaca do Congresso de Cacheu e da adesão ao Partido da Renovação Social (PRS)
de algumas figuras políticas importantes do PAIGC, este partido, nas últimas
eleições, perdeu 12 deputados nos círculos eleitorais internos (recuperou 2
deputados nos dois círculos do exterior que não votavam);
2. Se
recuarmos um pouco para trás, depois da abertura política, a criação de novos
partidos, em particular do PRS, retirou a base eleitoral importante ao PAIGC;
nas eleições de 2000, realizadas na sequência de um conflito político-militar
com origem, em parte, nos problemas internos do PAIGC, o PRS ganhou as
eleições; em 2004, o PAIGC voltou a ganhar as eleições com a diferença de 10
deputados com o PRS (45 contra 35 deputados); em 2008, o PAIGC ganhou com a
maioria absoluta (67/100) depois de o Carlos Gomes Júnior ter aligeirado
o seu confronto direto com o Nino Vieira e seus apoiantes e ter conseguido unir
o Partido, integrando os apoiantes do Bacai Sanhá no congresso de Gabú
na direção superior do partido e em outros órgãos e, depois, no Governo;
3. Esqueça-se
o episódio do Partido Republicano de Independência e Desenvolvimento (PRID),
porque o Nino Vieira, seu mentor inicial, decidiu abandoná-lo. Lembre-se que o
Carlos Gomes Júnior, depois de ter vencido o Congresso de Gabú, veio direto
para o Palácio da República e foi recebido efusivamente pelo Nino Vieira, sinal
claro de aparente reconciliação;
4.
Se o PAIGC perdeu 12
deputados nas últimas eleições, o contexto atual lhe é ainda muito mais
adverso, visto que “não só não tem onde ir buscar votos para compensar o surgimento do
MADEM-G15, como todo o mundo vai buscar votos à sua base”. Tudu djintis na tapi ci trás até ci aliadu
APU-GB;
Note-se
que de 2008 para 2014, o PRS saiu de 28 para 41 Deputados, e não existem razões
para crer que vá perder votos a favor do PAIGC, quando muito pode perder votos
a favor de outros partidos. Eventualmente, o PAIGC pode ir buscar votos a algum
eleitorado dos pequenos partidos que lhe apoiaram durante esta crise, isso se o
efeito não for contrário.
Conclui-se
que o PAIGC, quiça, possa vir a
arrepender-se mais tarde de ter expulsado os camaradas. E se antes as pessoas
votavam por causa da bandeira de um partido e da história que lhe é subjacente,
agora consciencializam-se a cada dia que passa e olham para alternativas em
termos de representação política. O desaire
pode ser muito pior, quando se pensa a toda hora e a todos os minutos que é
possível que os milagres aconteçam. Até os santos já não conseguem fazer um bom
milagre, devido à extemporaneidade e caducidade. Por isso, é com uma certa
estranheza e incredulidade que se veem alguns veteranos históricos e militantes
da primeira hora, que nunca se resignaram perante as adversidades que o PAIGC tem
atravessado, a corroborar com esta periclitante odisseia.
Бог
спасает Гвинею-Бисау!
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